A Veja fez uma matéria sobre séries apocalípticas e revelou que o fascínio pelo tema vai além do sangue e da destruição: o interesse é também relacionado à luta pela sobrevivência em um mundo sem regras ou governos, como acontece em The Walking Dead e The 100. Confiram a matéria completa a seguir:
O fim do mundo está próximo — pelo menos na televisão
Séries com temas apocalípticos causam fascínio e temor no público ao mostrar como seria lutar pela sobrevivência em um mundo sem regras e governos.
Mariane Morisawa, de Los Angeles.
O apocalipse está chegando – pelo menos é isso que acredita a nova leva de séries da TV americana. As tramas são recheadas de alienígenas, pandemias, zumbis, guerras e até anjos como agentes apocalípticos. Criatividade não falta para atrair o público.
Um dos mais comentados no momento é o seriado The Leftovers, que estreia neste domingo, dia 29, na HBO. No enredo, 2% da população mundial some sem explicação. A história é baseada no romance Os Deixados Para Trás (Tradução de Rubens Figueiredo, Intrínseca, 320 páginas), escrito por Tom Perrotta e adaptado por Damon Lindelof, um dos produtores de Lost. Perrotta teve a ideia da trama após o Onze de Setembro. “No começo, havia a sensação de que nada seria o mesmo. Cinco ou seis anos mais tarde, percebemos que a mudança tinha sido mais limitada do que imaginávamos, que de muitas maneiras nossas vidas não foram revolucionadas por esse cataclismo”, afirmou o escritor.
“Eventos traumáticos são um gatilho de transformações nas nossas visões de futuro e consequentemente como deveríamos atuar no presente para lidar com essas ameaças", diz Angela Becerra Vidergar, especialista em literatura comparada pela Universidade de Stanford. Segundo ela, o medo do apocalipse existe desde sempre, mas ganhou força no imaginário desde a Segunda Guerra Mundial, com o Holocausto e as bombas nucleares jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki.
Outro exemplo é The Last Ship, produzida por Michael Bay e lançada no dia 22 de junho nos Estados Unidos (prevista para agosto no Brasil). Aqui, a situação é ainda mais catastrófica: 80% da população mundial morre por causa de um vírus. Os governos deixam de existir simplesmente porque presidentes e primeiros-ministros são afetados pela doença. As duzentas pessoas a bordo do navio militar comandado por Tom Chandler (Eric Dane) são das poucas sobreviventes, e ainda carregam a chance de uma cura nas mãos da cientista Rachel Scott (Rhona Mitra).
A fantasia é sem limite. Em The Strain, baseada em trilogia escrita pelo cineasta mexicano Guillermo Del Toro e o escritor americano Chuck Hogan, e que estreia em 13 de julho nos Estados Unidos, as pessoas são acometidas por uma espécie de doença vampírica. Sleepy Hollow traz quatro Cavaleiros do Apocalipse – um deles é o Cavaleiro sem Cabeça do livro de Washington Irving e do filme de Tim Burton – que se juntam para acabar com a vida no planeta. Já Dominion, no ar nos Estados Unidos desde o dia 22, traz o arcanjo Gabriel (Carl Beukes) à frente de um exército apocalíptico.
Desastres e política - Não é de hoje que o fim do mundo ou a possibilidade da extinção da espécie humana causa fascínio e temor. O cinema está repleto de tramas do tipo, a literatura e as histórias em quadrinho também. Foi em uma HQ, aliás, que nasceu The Walking Dead. Criada por Frank Darabont e inspirada nos quadrinhos de Robert Kirkman, a série sobre o apocalipse zumbi virou febre mundial e hoje é a maior audiência em seu segmento, tendo alcançado 16,1 milhões de espectadores no episódio final de sua quarta temporada, mesmo sendo exibida por um canal a cabo nos Estados Unidos.
Em muitos casos, o componente político ajuda a amarrar os enredos. “As narrativas de fim do mundo permitem que as pessoas explorem como seria viver sem instituições sociais familiares, e especificamente sem governo”, diz Paul A. Cantor, professor de inglês e literatura comparada na Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos. “The Walking Dead e Falling Skies refletem um desencantamento e uma desilusão crescentes com a política. O apocalipse elimina o governo, e podemos ver se as pessoas podem sobreviver sem ele”, explica. “Em outras narrativas, comoUnder the Dome, inspirado no romance de Stephen King, há uma sugestão de que as pessoas não podem viver sem governo e simplesmente se lançariam numa anarquia destrutiva.”
Fio de esperança - Apesar de lidar com um futuro bastante sombrio, em geral essas séries apresentam um fiapo (bem fininho) de esperança. “Mesmo tendo perdido muito da nossa crença num futuro positivo e estarmos à espera de um desastre, ainda achamos que somos sobreviventes. Ainda queremos acreditar que sobreviveríamos”, afirma Angela Vidergar.
Em séries como Defiance e The Leftovers, a questão não é tanto a sobrevivência, mas que sociedade surgirá depois do apocalipse. “Defiance é sempre otimista, a despeito de tudo o que pode acontecer. Aqui a questão é como vamos começar a viver”, diz o produtor Kevin Murphy ao site de VEJA. “É sobre que tipo de governo vai surgir, qual nível de inclusão vamos ter, como vamos misturar nossas famílias, nossas culturas, como conciliar as diferenças religiosas aparentemente irreconciliáveis, como lidar com uma raça de alienígenas que tratou mal outra raça de alienígenas.”
Enquanto o futuro continua incerto para os personagens fictícios, o público se diverte com as surpresas e reviravoltas que essas séries promovem. Sem economias, os roteiristas destroem sociedades inteiras, com suas regras, erros e corrupções. O medo perturba, mas, seguros no conforto de suas casas, o espectador sabe que, por enquanto, sua sobrevivência é a única na história que está realmente garantida.
(Com colaboração de Fernanda Furquim)